Ele sim pode ser chamado do cara que chegou ‘quando tudo era mato’ no principal centro financeiro da américa do sul. Conheça o legado do homem que lutou pelas condições para desenvolver a região

Por Luciene Miranda

Ele se formou em Direito, mas escolheu para a vida o ramo imobiliário.

Não encontrou caminhos prontos. Teve que abrir trilhas, enfrentar desafios e criar as oportunidades para si e os demais que vieram em seguida.

Essa é a história de Manfredo Costa Neto, o pioneiro da Avenida Faria Lima, em São Paulo.

Um desbravador que chegou àquela região quando os imóveis com finalidade corporativa sequer dispunham de linhas telefônicas que permitissem o uso como escritórios.

E foi Manfredo que correu atrás de tantas condições que ajudaram aquela região a ser hoje reconhecida como o maior centro financeiro da América do Sul.

Atualmente, ele é o diretor comercial e de investimentos da Newmark, multinacional especializada no mercado imobiliário.

Acompanhe esta história apaixonante de um homem que dedicou a vida à construção dos alicerces do mercado de imóveis corporativos do Brasil.

Clube FII News (CFN): Mesmo após escolher a faculdade de Direito, o que te fez mudar para o setor imobiliário?

Manfredo Costa Neto (MCN): Eu tinha um amigo formado em engenharia cujo pai era dono de uma indústria de brindes em Jundiaí, no interior de São Paulo. Era a década de 1970 e o ministro da Fazenda, Delfim Neto, tinha acabado de criar o BNH, o então Banco Nacional da Habitação. O meu amigo tinha o projeto de construir prédios de apartamentos e precisava de alguém para a parte comercial da construtora dele, criada a partir da indústria do pai. Então, os dois malucos começaram em Jundiaí e fizeram 11 prédios.

O primeiro prédio era de apartamentos com dois dormitórios e fizemos uma linda propaganda. Era tudo de qualidade, mas não conseguíamos vender. Eu fiquei doente porque era responsável pelas vendas e não sabia o que fazer. Pensei: ‘Vou para Jundiaí conversar com os vizinhos do prédio’. Comecei a fazer uma pesquisa, batendo nas portas de todas as residências em torno do prédio para saber a opinião sobre os apartamentos. Os vizinhos responderam: ‘Vocês fizeram uma cozinha muito pequena. Recebemos visitas na cozinha. Não é na sala. Sala é para gente importante’.

Nossa referência eram as cozinhas feitas em São Paulo. Então, sugeri ao arquiteto modificar a planta dos apartamentos. A sala passou a ser a cozinha e a cozinha passou a ser a sala. Vendemos que nem pão quente. Cheguei à conclusão do seguinte: qualquer projeto imobiliário precisa de pesquisa. Essa experiência fez com que eu me apaixonasse pela área imobiliária.

CFN: E quando a avenida Faria Lima entra na sua vida?

MCN: Nós montamos um escritório na Faria Lima para a imobiliária Quartier em que eu estava naquela época, em 1973. E as pessoas, sabendo disso, me pediam para arranjar um escritório lá para elas. E começamos a negociar naquela região e, ao mesmo tempo, acompanhar a evolução de São Paulo.

Havia três grandes construtoras desenvolvendo a avenida: a Gomes de Almeida & Fernandes [tinha um triângulo vermelho como propaganda no topo dos prédios] que hoje é a Gafisa, a Lindenberg e a Speci. Elas vendiam os prédios pela nossa imobiliária via BNH e dávamos cobertura junto aos clientes para a entrega das chaves.

A construtora entregava sem forro, sem luminária, sem piso. Apenas parede e banheiro. Nós tínhamos um engenheiro para o que fosse necessário e, ao mesmo tempo, fazíamos a gestão desses serviços.

Muitos investidores queriam alugar os escritórios e não tinham quem pudesse fazer esse trabalho para eles. Assim, nos especializamos em prestar estes serviços. Aí, começava a minha carreira.

Em 1980, eu já sabia que mexer com milhões dos clientes corporativos não era algo positivo porque era um risco. Eu já era muito conhecido na Faria Lima e fui convidado para ser um parceiro na área comercial de uma empresa chamada Richard Ellis que veio ao Brasil com uma novidade: vender para grandes corporações estrangeiras. Isso porque eles tinham escritórios e clientes no mundo inteiro. Hoje, esta companhia se chama CBRE, a maior empresa de prestação de serviços imobiliários corporativos. Aqui no Brasil, eu fui o funcionário número dois.

CFN: Manfredo, foi nessa época também que, junto com viabilizar a ocupação das lajes corporativas da Faria Lima, você também corria atrás de telefones para os clientes quando não havia cabeamento naquela região?

MCN: A Faria Lima foi feita logo após a inauguração do Shopping Iguatemi, em 1966, para receber o fluxo de veículos. A Rua Iguatemi – que existe até hoje – não comportava o movimento intenso. O Plano de Expansão [da rede telefônica] da então companhia estatal Telesp [Telecomunicações de São Paulo] para a chegada do cabeamento era muito lento. Você esperava anos para ser atendido.

Quando a Faria Lima foi aberta e os prédios ‘explodiram’ no início da década de 1970, não tinha telefone. O que isso significa? Um prédio de escritórios sem telefone é a mesma coisa que não ter escritório. Mas existia a Bolsa de Telefones que tinha um sistema que descobria quem estava vendendo telefone. O trabalho era conseguir o telefone no mercado e pedir a transferência para o escritório da Faria Lima que levava dois, três ou até quatro meses. Quando as linhas eram transferidas, eu conseguia alugar esses imóveis.

CFN: Você foi um pioneiro empregando um esforço enorme para viabilizar muito da estrutura inicial da Avenida Faria Lima. Compensou? Houve retorno financeiro e patrimonial para você?

MCN: O dinheiro era muito desvalorizado. Era uma instabilidade econômica muito grande. A gente conseguia ganhar um bom dinheiro quando vendia lotes. Não foi um sucesso em termos financeiros, mas para ficar conhecido. Principalmente, com a venda de imóveis como o Edifício Dacon [o redondo da Faria Lima].

CFN: Você fez um estudo sobre o aumento do metro quadrado disponível de laje corporativa por habitante da cidade de São Paulo que só aumenta nas últimas décadas (de 0,15m²/hab nos anos 1950 a 0,72m²/hab em 2018). E agora após a pandemia e a tendência do home office? O que você imagina que vai acontecer?

MCN: Vai aumentar. O mercado em São Paulo ainda é pequeno comparado a outros centros de finanças do mundo. Nós tivemos nos anos 50 os melhores prédios de escritórios na cidade. Eram construídos por grandes empresas com uma qualidade muito grande. Há edifícios no centro de São Paulo que são maravilhosos em termos de arquitetura. A maioria com pé direito alto porque não tinha ar-condicionado na época.

De lá, passou para a Avenida Paulista que foi aberta. Os casarões começaram a ser destruídos para a construção dos edifícios. Depois, a Paulista ficou pequena. Não tinha mais espaço. E aí a demanda foi para a Faria Lima. Hoje, se espalhou. Quando o metrô teve a primeira linha – a azul – inaugurada em 1974, houve uma grande influência no setor de escritórios. E não havia passeatas na cidade.

CFN: Você falou dos planos econômicos e da instabilidade do país e de como eram prejudiciais para os brasileiros conquistarem um patrimônio. Como estamos neste momento comparado a todas essas situações que você viveu?

MCN: De todos, o Plano Collor foi a maior violência às instituições. Uma agressão aos princípios da livre iniciativa. Você tirar moeda, dinheiro de circulação, é uma agressão. Se você me perguntar o que vai acontecer hoje, eu te respondo que estamos vivendo uma grande incógnita.

Conforme sejam as escolhas do governo, se não houver um controle da economia, nós teremos uma inflação alta. Estaremos perdidos. Precisamos manter a atual política funcionando. A inflação leva o mercado a ficar descontrolado.

CFN: Já começamos o ano de maneira tumultuada, se a gente pensar nos atos antidemocráticos que aconteceram em Brasília. Tudo indica que teremos um ano atribulado. Diante do cenário que já se desenha, o que você imagina para o mercado imobiliário e, principalmente, ao mercado de lajes no qual trabalha há tantos anos?

MCN: Nós temos que trabalhar. Temos que continuar sobrevivendo, esquecer que governo existe e ir tocando pra frente. O empresário tem uma responsabilidade muito grande. Ele tem finanças para cuidar. Não pode se dar ao luxo de ficar fazendo politicagem. Nós temos que trabalhar e girar recursos para poder pagar os empregados. Então, o governo que se mate.

Para vencer tudo isso, o empresário precisa ser mágico e herói. Não dá pra pensar no que o Bolsonaro fez, no que o Lula vai fazer. É necessário pensar: ‘O que eu posso fazer? Quais são minhas obrigações com os meus dependentes e os meus funcionários?’.

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